Apresentação - O peso

Sim, em algum momento, o peso sobre os meus ombros ficou insustentável. E eu sempre me perguntei, porque para nós, filhos de pastores o "jugo era desigual" (na expressão "jugo desigual", jugo é o termo designado que denomina um objeto que une dois bois para que andem no mesmo compasso, sendo assim, quando não andam no mesmo compasso, a expressão "jugo desigual" faz completo sentido), sim, uso esse termo pra dizer que a medida com a qual nos medem, é muito mais rigorosa que a medida com a qual medem os que são apenas membros da igreja. É como se, pelo fato de nossos pais e mães serem líderes, pastores, nós também tivéssemos o mesmo título. E eu  não sei você, mas isso tornou a minha infância e adolescência numa coisa muito bagunçada, porque eu era apenas um ser humano crescendo, e de repente errar, não era permitido. "Ei Juliane, dê aulas pras crianças", ms eu era uma delas rs, "Ei Juliane, você sabe cantar, se você não cantar o Senhor não vai se agradar de você", "Ei Juliane, precisamos de você na equipe de louvor", "Ei Juliane, não use essa roupa, não use maquiagem, não se esqueça que não pode usar salto", "Juliane, você não sabe cantar", "Juliane, você tem esse cargo só por que seu pai é o pastor". "Julinha" e "Filha do Julio". O nome do meu pai é Julio, e me orgulho muito de ser filha dele, com trinta e poucos anos, ele resolveu que iria terminar o segundo grau e entrar para o seminário, pois, ele tinha um chamado pastoral. E eu vi meu pai chegar tarde em casa por muitos anos, dando um duro danado, trabalhando e estudando, e muitas vezes aproveitei que ele estava estudando a bíblia e estudei com ele, ajudei ele com trabalhos, com lições de casa rs, ouvia quando ele me contava das aulas, ajudava ele a estudar pras provas, e foi assim que aprendi tudo que sei da bíblia. Meu pai jamais foi omisso na hora de me ensinar "no caminho que eu deveria andar", suas regras eram claras e seu amor era garantido, e parecia ir tudo bem, até que ele foi o presbítero da primeira congregação que ele dirigiu. Ali, a minha vocação e o meu caráter, importavam pouco, mas naquela época isso só começou a me incomodar, quando entrei pro grupo de adolescentes. Foi bem duro ouvir de todas as meninas que elas tinham mágoa de mim, por eu ser uma pessoa quieta, e por eu ter um cargo apenas por que eu era filha do dirigente. Aquilo deixou o meu coração rasgado. Sim, foi a sensação que tive, e naquele dia, eu senti o peso pela primeira vez. O que eu poderia dizer pra elas? "Eu sou assim, não falo muito, me desculpem se pareço antipática. Quanto ao meu cargo, eu cuido das crianças porque eu gosto de estar entre elas, e porque nunca ninguém quis cuidar delas. Não estou aqui sem merecimento, sem dom.", foi assim que respondi. Nossa conselheira, na época, disse que eu tinha que me esforçar mais pra me comunicar, e pras meninas que se ressentiam, eu não me lembro dela ter dito algo. Nessa época eu só tinha 14 anos. E o peso, como eu o chamo, me acompanhou por muitos anos, principalmente, porque tudo que eu fazia, era facilitado ou dificultado porque meu pai era pastor. Com isso, 10 anos depois, eu tive vontade de descansar um pouco das minhas atividades, pois o peso que eu carregava já era visível, o sofrimento e a depressão em que eu estava, se tornaram em síndrome do pânico, e eu me sentindo muito esgotada, sem saber com quem conversar ou como lidar com o peso, resolvi abdicar das minhas funções, pois me sentia muito machucada. As pessoas não me compreenderam. Elas não compreenderam que eu estava adoecendo, elas foram então, em certa ocasião que minha mãe engessou o pé dela, por causa de uma tendinite, até a nossa casa, com o pretexto de visitá-la, mas aquilo se tornou uma espécie de intervenção pra me convencer de que eu não deveria eixar minhas funções no louvor e no ensino. Elas embasaram minha atitude como rebeldia e desobediência, usando diversos versículos da bíblia, e isso me deixou tão furiosa, lembro de dizer que isso não era justo, e que eu precisa de um tempo pra colocar a "minha casa" (a interior), em ordem, nessa época, eu já sentia todos os sintomas da síndrome do pânico. Naquele dia eles disseram que precisavam de mim, mas sabe? A igreja tem tantas pessoas talentosas, porque nenhuma delas pode substituir a outra, caso uma delas tenha um problema sério? A resposta, é por que ainda não sabemos agir com misericórdia. Filhos de pastores, não são pastorezinhos. Filhos de pastores também precisam se converter. Mas o julgamento que era pesado, continuou muito mais pesado, quando eu saí da igreja. Tudo que eu queria, era me desfazer do peso com o qual eu não sabia lidar. Tentei inúmeras vezes, deixá-lo com o Senhor e trocar pelo fardo dele que era leve, mas todos os dias, surgia alguém que me lembrava, que eu tinha que ser perfeita em tudo, um exemplo, porque "você é a filha do pastor". Uma vez, fui convidada por uma senhora, para valsar no aniversário da filha dela, era um evento de grande porte, fui a um ensaio, dancei com um rapazinho muito educado e bonito rs, e não pisei no pé dele. Na hora que iriamos entrar na igreja para a cerimônia de ação de graças, eu que estava sem bolsa de mão, tive a brilhante ideia, de pendurar meu celular de flip (aquela tela que abre e fecha, escondendo o teclado), na alça na minha sandália, que era de elástico prateado, eu não tinha como entregar ele pra ninguém e seria de mal tom entrar na igreja com ele na mão, já que eu era uma das damas da debutante, até aí, nada de mal, o vestido era longo e escondia os pés, ninguém ia ver, mas, na hora que eu estava fazendo a manobra, muito discretamente, num cantinho, um rapazinho, um dos acompanhantes, viu o que eu estava fazendo e logo comentou com uma cara muito séria: "Nossa, e é filha de pastor". E eu disse: "O que tem demais? Eu não tenho onde colocar e meus pais já estão dentro da igreja." Ao que ele respondeu: "Isso é muito vulgar.", sim eu apenas fiquei boquiaberta, enquanto o garoto com no máximo 16 anos, saia andando como se fosse o dono da verdade. Nessa época eu tinha 22 anos. Coisas desse tipo e de todos os tipos, dentro desse contexto, foram "normais" pra mim, tal como sempre se referirem a mim como: "a filha do pastor", as pessoas se quer sabiam meu nome, e conviviam comigo pelo menos 4h ou 5h, a cada três dias por semana. Eu saí da igreja, na qual eu nasci, com 25 anos, e procurei muitos outras igrejas pra frequentar, mas em nenhuma delas eu me sentia bem, a raiva e o peso, não me deixavam sentir bem. No mundo, encontrei muitas coisas amargas, coisas que não me ajudaram a me desfazer do peso. E em 2015, descobri um linfoma, que mudou minha vida espiritual. E antes de contar essa história, eu preciso explicar duas coisas, a primeira é que eu nunca culpei a Deus. E a segunda, é que eu sei que Ele não me castigou com um câncer, eu lido com esta questão de uma forma muito básica, nosso corpo deteriora, adoece, o meu adoeceu, e Deus na sua infinita sabedoria, permitiu, e fez além, ele tem usado essa circunstância,pra finalmente me transformar naquilo para o qual ele me colocou aqui nessa terra, e eu aceitei de braços abertos. O câncer, pra mim, tem sido uma escola. Não é prazeroso, mas no Senhor, eu renovo as minhas forças. E somente através do câncer, eu pude ter a oportunidade, de aprender a me desfazer do peso, a amadurecer. Isso vai acontecer com todas as pessoas que carregam um peso parecido com o meu? Lógico que não!!!! Não sejam bobos rsrs, Deus trata com cada um de nós de formas diferentes, e lembrem-se, Deus não fica feliz em nos castigar. Se ele quisesse nos castigar, ele não teria enviado Jesus pra nos resgatar!!! E amados, o que é uma doença no corpo de alguém que tem sua alma curada?! Depois de anos na escuridão e tristeza, com um corpo plenamente saudável, eu vim achar a luz e a cura pra minha alma, em meio a um câncer. Não é bom estar doente, mas é bom estar com o Senhor e dessa vez, sem peso. As pessoas ainda me julgam. Sim. Quando fiquei doente, ouvi dizer assim:"Ela está com câncer por que saiu da casa de Deus". E hoje, eu acho realmente que essa pessoa não entende muito o que é estar/ser a casa de Deus. E hoje, eu aprendi a despejar meu fardo pesado, e pegar p fardo que o Senhor Jesus me oferece, que é leve, que me ensina sobre perdão e misericórdia, que me mostra realmente que eu precisava de ajuda profissional, porque sozinha, eu não conseguia deixar o fardo, eu precisava de mais uma pessoa pra me ajudar com a minha sujeira interior. Alguém que topasse seguir duas milhas comigo, e achei essa pessoa, na forma de uma psicóloga cristã, que me ajudou muito, então, quando a raiva passou, eu pude ver o quanto as pessoas que me cercavam e me julgavam, também estavam em cativeiros injustos. As escamas dos meus olhos caíram, e vi que todos nós precisávamos nos converter todos os dias, porque vai por mim, nós, nenhum de nós é perfeito e exemplar. Todos temos pecados imundos permeando nossas mentes e corações e somente o Senhor é capaz de nos justificar com a verdadeira justiça, que é o sacrifício de seu Filho amado na cruz. Somente através de Cristo, é que podemos experimentar a liberdade, o amor, a compreensão, a misericórdia, o socorro na hora da angústia e a salvação. E após tanto caminhar, após tanto aprender, eu sinto que hoje posso voltar a casa do Senhor todos os dias, não pra sentar no banco apenas, mas pra compartilhar, ensinar novamente, pregar, louvar, porque eu fui curada. A saudade foi grande, e eu voltei. Se você se identifica com esse pequeno relato, saiba que eu te entendo, e quero te ajudar. Voltar não é fácil, porque pra voltar ao caminho original (estando dentro da igreja ou não), temos que voltar todo o caminho que já trilhamos, temos que voltar atrás, e vencer muitos obstáculos, até voltar ao primeiro amor. A raiva, a mágoa,os traumas, existem, mas quem foi que disse que um coração arrependido fica abandonado? Não fica, Deus tem prazer em nos curar e levar nosso peso, destruir nosso peso. Deus ouve muito mais que as suas palavras desaforadas, ele ouve seu coração, assim, quando você quiser voltar ao primeiro amor, o conhecer o primeiro amor de verdade, a mão dele ainda estará estendida.


Juliane Schimel de Magalhães

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